Início o relato a partir das 37 semanas de gestação — as últimas semanas, que pareciam não passar nunca. Até chegar nesse marco, eu me sentia calma e entendia que ela escolheria o momento certo para nascer. Porém, depois, me pegava pensando quando seria. Por que não logo? Por que estava “demorando tanto”? Uma ansiedade tomou conta de mim. Tentei viver um dia de cada vez… Peguei a máquina de costura na casa da minha avó, fiz mil e uma coisas, bordei, preparei presentes para todos da equipe que nos acompanharia, iniciei um novo projeto…
E nada!
Tive poucas contrações de treinamento. Na minha cabeça, eu não entraria em trabalho de parto espontâneo e achava que seria necessário uma indução medicamentosa. Com 38 semanas, comentei com a Dra. Giana sobre o limbo entre não aguentar mais esperar, querer respeitar o tempo da Marcela e desejar ver meu corpo trabalhando para o parto. Lembro-me dela me acolher e apresentar ideias do que poderíamos fazer para caminharmos aos poucos até o nascimento.
Lá pelas tantas, após caminhadas, exercícios com a bola, linhas e agulhas… cheguei a um momento em que “desisti” de tentar adivinhar o dia que ela viria. Entreguei. Parei de tentar controlar o incontrolável quando recebi um texto lindo de uma cliente — que hoje posso chamar de amiga — sobre a travessia desse momento. Uma ponte que ligava o gestar ao maternar, e que descrevia perfeitamente todos os sentimentos vividos naquele instante.
Com 39 semanas, na nossa última consulta com a Dra. Giana, surgiu a ideia de iniciarmos um método de indução natural no final de semana, quando já estaríamos com 40 semanas e 2 dias de gestação. Optamos pelo óleo de rícino, para estimular algumas contrações uterinas a partir das contrações intestinais e, assim, obter alguma dilatação para possibilitar o descolamento de membranas — um estímulo à liberação de prostaglandina, que ajudaria na maturação do colo do útero. E assim fizemos!
No domingo, dia 13/04, às 10h da manhã, tomei o primeiro shake com óleo de rícino. Tive apenas uma dor de barriga leve, que logo passou. Às 18h, tomei o próximo copo. Tive algumas poucas contrações… Eu ainda não sabia se de fato eram contrações, pois, como escrevi anteriormente, tive poucas, e para mim era difícil identificar.
Já à noite, Marcos e eu estávamos sentados no sofá assistindo à televisão quando comecei a perceber que aquelas “coisas esquisitas” que senti poucas vezes durante o dia estavam mais frequentes. Decidi começar a contar a frequência e a duração com o aplicativo de contrações. Elas ainda eram espaçadas e de curta duração. Enviei um print no grupo que tínhamos com a Dra. Giana, Ana e Lidi. Fui aconselhada a tomar um banho quentinho e descansar, caso as contrações “engrenassem” durante a madrugada.
E elas voltaram! De 3 em 3 minutos, de 8 em 8 minutos… Um pouco mais doloridas do que antes. Consegui dormir tendo contrações, e acordei sem sentir mais nada. Eram pródromos (uma preparação para o trabalho de parto).
Na segunda-feira, dia 14/04, saímos da consulta com a Dra. Giana loucos de felizes: tínhamos duas polpas! A alegria tomou conta. Afinal, aquelas contrações, mesmo que irregulares, foram eficientes para provocar uma pequena dilatação que possibilitou o descolamento de membranas.
Após o descolamento, voltamos para casa e as mesmas contrações super espaçadas retornaram, indo e vindo. Eu me sentia muito bem, animada por ver as coisas acontecendo, mesmo que aos poucos.
Na noite do dia 15/04, combinamos com a equipe que, no dia seguinte, faríamos a indução com o método Krause, que consiste em passar uma sonda com um balão na ponta através do colo do útero para estimular a dilatação. Atualizando minha físio pélvica e amiga Rafa Ruviaro pelo WhatsApp com as últimas novidades, ao fim da conversa, com sua fé, ela me disse: “Vou te deixar descansar. Amanhã acendo uma velinha para vocês”.
E assim eu fui dormir.
Eram 5h20 da manhã do dia 16/04 quando despertei de um sonho lindo, seguido de uma contração. No sonho, a Marcela estava sentada no meu colo, Marcos estava ao lado, e ela me olhava e ria! Tinha a pele clarinha, cabelos escuros e uma boca cheia de dentes. Gargalhava, mostrando aquele sorriso lindo e branquinho. Ali tive certeza de que ela estava pronta para vir ao mundo. Como um sinal. Logo me prontifiquei em enviar uma mensagem para a Rafa dizendo “Não sei se tu acendeu a velinha, mas adiantou”. Ela me contou que tinha acendido.
As contrações seguiram. Acordei Marcos e avisamos no grupo da equipe o que estava acontecendo. Chamei minha prima Milena para vir até nossa casa — queria que ela vivesse esse processo comigo, nem que fosse um pouquinho. Compartilhamos tantos momentos na vida, e tê-la nesse dia seria muito especial.
Algumas horas se passaram e a enfermeira obstetra Ana chegou à nossa casa para me avaliar. Nesse momento, eu ainda conversava, ria e até tomei café da manhã. Estava com três polpas de dilatação, e as contrações vinham numa média de duas a cada dez minutos. Ainda não era trabalho de parto ativo, mas o início da fase latente.
Conversando sobre como o processo estava sendo, decidi esperar mais um pouco para ver minha evolução ao longo da manhã e, caso fosse necessário, passaríamos a sonda.
Logo percebi as contrações mais doloridas, e como era muito fácil deixar a mente ir ao desespero. Lembrei das muitas conversas com a Rafa sobre exercícios de respiração e como eles me ajudariam durante o trabalho de parto. E foi assim que, a cada contração, comecei a focar mais na respiração, tirando o foco da dor.
O almoço chegou, e consegui dar apenas algumas garfadas na comida — as contrações estavam mais intensas. Marcos esquentou uma bolsa quente, eu a coloquei na barriga e fui me deitar. As dores estavam se intensificando. As contrações tinham ritmo, mas o intervalo entre elas não baixava de seis ou sete minutos.
Às 13h, Ana retornou à nossa casa, me avaliou novamente, e ainda seguíamos com três polpas. Lembro que isso me balançou um pouco, no sentido de “ainda temos chão pela frente, ainda vou sentir muita dor”. Mas eu tinha duas opções: afinal, aquele processo iria acontecer. Eu tinha escolhido viver isso, esperei por isso. Queria tanto ver meu corpo trazendo minha filha ao mundo — aquele momento havia chegado, bastava viver.
Decidimos passar a sonda. Ela deveria cair quando o colo do útero atingisse cerca de cinco polpas. Não achei desconfortável a colocação, mas ficar com ela foi. Logo após, comecei a sentir um novo nível de dor. Eu poderia sofrer a cada contração ou encarar a dor de frente. Fiquei com a segunda opção. A partir dali, comecei a focar ainda mais na respiração e ver cada contração como “mais uma”. O que funcionou para mim foi me entregar à dor e experimentar o que funcionava melhor para tirar o foco dela.
Lembro de tentar formas diferentes de respirar e vocalizar até encontrar o ponto certo que me fizesse passar por cada uma sem me desesperar. Afinal, eu já tinha constatado que era muito fácil isso acontecer!
Por volta das 16h, Marcos espichou um pouco mais a sonda, como recomendado pela Ana. Às 17h40, ele percebeu que ela estava mais solta na minha perna. Mandamos uma foto no grupo para atualizar sobre a evolução, e Ana recomendou espichar novamente. Mas não deu tempo. Nesse momento, senti uma vontade de fazer o número dois. Fui ao banheiro e a sonda caiu. Logo após, senti um mal-estar e coloquei tudo para fora. Entrei no banho e, junto com ele, na partolândia!
A partir desse momento, não tenho mais noção de tempo. A dor estava em outro nível e lembro de poucas coisas — por isso teremos a participação do Marcos nesse trecho do relato. Segundo ele, depois que saí do banho, fiquei deitada na cama por cerca de 1 hora. Ele ficou ao meu lado o tempo todo e, a pedido da equipe, monitorou cada contração com o aplicativo. Segundo ele, ajudei a monitorar as últimas.
Passada essa hora, retornei ao banheiro e ali fiquei…
Só sei dizer que a dor era ainda mais forte, mas meus pensamentos continuavam focados quase que literalmente em “atravessar” cada uma delas. Criei um novo mantra na minha cabeça: “Essa dor não é mais forte do que eu”. E assim segui.
Marcos me informou que Ana estava se deslocando para me avaliar novamente. Ele entrou em modo operação: começou a organizar algumas coisas e, em certo momento, me perguntou se eu queria algo. Respondi que só queria que ele ficasse junto comigo. Ele sentou no chão do banheiro para me acompanhar. Alguns minutos depois, recebeu a mensagem da Ana dizendo que havia chegado. Nesse tempo, ele me ajudou a ir até o quarto para que ela pudesse fazer o toque, mas eu não consegui. Senti um desespero ao tentar me deitar e pedi para que ele me ajudasse a levantar rápido — aquela posição estava muito desconfortável.
Nesse momento, coloquei tudo para fora novamente. Por já ter acompanhado outros nascimentos, sabia do “mito com fundo de verdade” sobre o vômito durante a transição (em torno de 7 a 8 de dilatação). Na minha cabeça, era isso que tínhamos até então.
Naquele momento do trabalho de parto, eu já me encontrava em outro estado de consciência — muito longe desse mundo, talvez em Nárnia… Lembro-me de ouvir a Ana chegando e conversando comigo. Ela pediu para fazer o toque, e eu autorizei. Após a avaliação, perguntou se eu queria uma boa notícia. Não lembro se respondi, só escutei ela chamando Marcos e dizendo:
— Marcos, coloca as malas no carro, manda mensagem para a fotógrafa nos encontrar na Amparo e vamos. Bem rapidinho, tá?
Eu sentia que algo lindo estava acontecendo. Minha filha estava chegando. E assim nos dirigimos até a clínica.
No carro, eu não conseguia me sentar direito. Me agarrei no “puta merda” como se, com o braço, pudesse sustentar todo o meu peso. Não vi o trajeto acontecer. Fechei os olhos e só os abri quando o carro parou.
Quando saí, percebi que minhas pernas já não me sustentavam como antes. Abracei forte a Ana como forma de apoio e alento enquanto Marcos estacionava e carregava nossas malas. Soltei ali uma frase clássica, que já ouvi muitas vezes acompanhando nascimentos:
— Vontade de fazer cocô.
Sabia que tínhamos entrado na fase expulsiva! Eu ainda não sabia mas no momento em que a Ana fez o toque em casa, eu já estava com nove de dilatação. Ela optou por não nos falar, para que o trabalho de parto seguisse tranquilo, sem motivos para nos desesperarmos.
Fui teletransportada de cadeira de rodas para dentro do quarto, onde já me esperava a Dra. Giana, com uma banheira quentinha e meia luz. Um ambiente acolhedor, como o que eu queria para receber minha filha. Nesse momento, a minha consciência voltou um pouco, as dores das contrações tinham diminuído e eu já entendia que logo, logo, precisaria empurrar.
O corpo sabe o que fazer! Involuntariamente, ele te ensina a fazer a força necessária para trazer o bebê ao mundo. É uma experiência surreal vivenciar a natureza na sua forma mais pura. Inicialmente, a posição que eu adotei dentro da banheira foi uma espécie de quatro apoios, com os joelhos apoiados e as mãos segurando a barra. A cada vontade de empurrar, eu sentia minha filha mais perto. Em dado momento, coloquei o dedo para sentir onde ela estava e percebi a presença da cabeça dela perto da saída. Eu descansava entre uma e outra vontade de empurrar, até acho que cochilei em algum momento. A dor das contrações tinha sumido, então eu tratei de relaxar o meu corpo.
Escutei o Marcos falando “te entrega” e ali eu virei um bicho. Ele segurava minha mão, jogava água nas minhas costas e, depois, olhando as fotos, percebi que sorria. Ele diz que foi a experiência mais f*da da vida dele — e eu acredito. Foi a minha também!
Após um tempo, eu me virei e fiquei semissentada, apoiei os pés na borda da banheira e, nas vezes em que abria os olhos entre as vontades de empurrar, enxerguei a Dra. Thaís e a Allexia, que eu ainda não tinha constatado que estavam no quarto. A vontade de empurrar foi ficando mais frequente, e eu sentia ela saindo de mim e escorregando de volta para dentro.
Marcela foi vindo aos pouquinhos, no tempo dela. As gurias me diziam ver os cabelos pretos dançando na água a cada vez que ela saía um pouco mais. Eu já estava curiosa, pois em nenhum ultrassom tinham nos comentado que ela seria cabeluda…
Quando eu cheguei no ápice da minha entrega, da minha força e da minha coragem, ela nasceu! Linda e curiosa, com os olhos atentos para o mundo, observando tudo e todos, ela veio para os meus braços. Nas fotos é possível ver o Marcos levando a mão à boca, chocado com o que tinha acabado de presenciar. E eu, chorando, sem acreditar que aquele serzinho tão pequeno e precioso tinha saído de mim. Que era minha filha, o amor pelo qual eu sonhei por tanto tempo, que eu gestei, que eu fiz… Estava ali! Marcela nasceu, e nós renascemos.
O Marcos como manda a tradição, após de parar de pulsar, cortou o cordão que nos ligou simbolizando a transição e o inicio da vida da Marcela. Tivemos nossa tão aguardada hora dourada, estímulo a amamentação na primeira hora, o contato pele a pele tanto pra ele como pra mim, onde pudemos conhecer cada detalhe do nosso toco sem pressa de nada. Dra Thaís somente algum tempo retornou ao quarto para pesar e realizar as medidas.
Minha filha nasceu de um parto respeitoso e humano, cercado de amor, cuidado e presença. Cada etapa foi vivida com entrega e confiança no processo do nascimento, sempre amparada por uma equipe maravilhosa que acolheu nossas escolhas e ouviu nossos desejos. Nos sentimos realizados em termos sido acompanhados desde o início por uma médica que preza pelo parto baseado em evidências científicas.
O nascimento dela foi mais do que sonhamos, mais do que conseguimos colocar em palavras: cheio de sentido, conexão e protagonismo. O início perfeito para a história que começamos a construir juntos, como família.